A escola já contava com uma série de brechas educativas e barreiras que tornavam difícil ou impossível quebrar o círculo de pobreza. Num mundo em que 258 milhões de menores de idade nunca frequentaram uma escola, a crise da Covid-19 não faz mais do que aprofundar estas falhas.
Hoje analisamos quais são as barreiras e fossos que tentamos travar com o nosso trabalho em mais de 20 países no mundo inteiro. O objetivo do nosso trabalho ao nível da educação? Salvar da pobreza toda uma geração.
A principal barreira que encontramos nos países em desenvolvimento é a ausência de escolas, de docentes e de materiais básicos para o ensino. Mas também encontramos escolas ao ar livre, sem assentos, sem mesas, sem aquecimento. Estas são escolas que encontramos diariamente e que não têm condições sanitárias suficientes ou que se encontram as distâncias impossíveis (e muito perigosas quase sempre) para que uma criança possa ir a pé. A tudo isto – como se fosse pouco – junta-se uma outra barreira: a pouca ou nula infraestrutura digital.
Sem dúvida, a pobreza é um dos fatores mais excludentes e uma das principais barreiras impostas a milhões de pessoas para aceder e permanecer nos sistemas educativos. Os custos diretos e indiretos associados (transportes, material, uniformes, refeições escolares, lazer educativo, etc.) fazem da educação um luxo para milhões de famílias que não contam com os recursos básicos para subsistir.
A má qualidade do ensino que não garante saídas profissionais dignas e que também não assegura recursos suficientes para apoiar os alunos com maiores dificuldades. Tudo isto leva a que muitas crianças e jovens fracassem na escola, repitam anos, desmotivem-se e acabem a abandonar a escola e a sua educação. E depois o que é que acontece? Normalmente, quem abandona a escola prematuramente encontra trabalhos precários ou ligados à economia informal, o que lhes dificulta a saída do círculo de pobreza.
Uma educação de qualidade é aquela que disponibiliza as ferramentas necessárias para aceder a mais e melhores oportunidades. Mas é também aquela que permite viver uma vida plenamente consciente e que mereça a pena ser vivida. Dentro desta barreira, encontramos vários pontos a ter em conta.
Sem professores não há educação. Mas a qualidade educativa depende diretamente da possibilidade de ter docentes formados, motivados e justamente remunerados.
As barreiras na gestão educativa impedem, em muitas ocasiões, que as escolas sejam um pequeno motor de dinamização social, cultural e económica das comunidades em que se integra.
O programa curricular não inclui os conteúdos e as competências necessárias para enfrentar os desafios atuais do planeta. Num mundo diversificado, inclusive em espaços geográficos mais pequenos, a qualidade educativa implica reconhecer e refletir essa diversidade e adaptar a oferta educativa. A pertinência do programa é um fator chave para evitar o abandono e a reprovação e, por fim, promover a conclusão com êxito do percurso educativo.
O nosso mundo já é digital e a tecnologia está a mudar a nossa vida. Isto abre um novo fosso no campo da educação. Possuir ou não estes conhecimentos é determinante para garantir o acesso a uma série de oportunidades que podem melhorar a nossa vida (emprego, questões administrativas, etc.). Esta brecha digital é maior entre países mais ou menos desenvolvidos, mas também se expressa na desigualdade interna e crescente dentro dos próprios países.
Só uma educação inclusiva é compatível com os direitos humanos. Esta inclusão deve dar resposta às diferenças de acesso e permanência baseadas em fatores como a pobreza, género, etnia, deficiência, língua, religião, migração ou abrigo, lugar de residência ou nascimento, orientação sexual ou expressão de identidade de género. Todos estes fatores são discriminatórios na maioria dos casos e são determinados pelo nosso nascimento.
A inclusão na educação leva a melhores resultados académicos, melhora o desenvolvimento social, emocional, a autoestima e a aceitação da diversidade e ajuda a prevenir a estigmatização, os estereótipos e a crescente polarização social. Tudo isto alimenta discursos de ódio e fomenta a xenofobia, o racismo ou a homofobia.
A brecha de género afeta não apenas a meninas e jovens alunas, mas também as docentes, diretoras das escolas e mães.
Normas culturais e práticas sociais persistentes impedem que as meninas frequentem a escola. Entre elas podemos mencionar a pouca importância que se dá à educação das raparigas, os casamentos precoces, a insegurança nas escolas e no caminho até lá e as pesadas tarefas domésticas que recaem, geralmente, nas mulheres e raparigas. Isto gera não só maiores dificuldades de acesso e permanência na escola para as raparigas, como também uma menor disposição de tempo para lazer em relação aos seus pares do sexo masculino.
Encontramos sistemas educativos que não alterarem planos de estudo nem formaram docentes em matéria de sensibilização acerca das desigualdades de género. A expetativa do que a educação pode trazer às mulheres é, em muitos casos, distinta daquilo que ela pode trazer aos homens e rapazes.
Como já referimos, existe uma menor participação de mulheres docentes e gestoras na elaboração dos planos de estudo. Mas também há uma participação desigual entre mães e pais no seio das comunidades educativas. Se, por um lado, são maioritariamente as mães quem se envolve nas atividades escolares, por outro, a sua capacidade de decisão é menor e é percebida como uma tarefa exclusivamente feminina em muitos lares, o que se traduz numa carga extra para as mulheres.
Segundo as Nações Unidas, antes da irrupção mundial da Covid-19, já se estimava que os países com rendimentos baixos e médios enfrentavam uma brecha de financiamento da educação de 1,5 biliões de dólares anuais. Não se trata apenas de aumentar as verbas nacionais e as de cooperação internacional relativas a esta matéria, mas também de incrementar o financiamento de projetos que lutam diretamente contra a pobreza. As medidas de proteção social direcionadas para os grupos mais vulneráveis permitem melhorar os índices de frequência e permanência na escola.