A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a mutilação genital feminina como um conjunto de procedimentos que intencionalmente e sem motivo médico alteram ou lesam os órgãos genitais femininos. A mutilação genital feminina, ou mais precisamente a “remoção do clítoris”, diz respeito à mutilação ou à remoção total ou parcial do órgão. No entanto, há muitas outras práticas lesivas por detrás da mutilação genital feminina: por exemplo, a remoção dos lábios grandes e pequenos da vulva e o estreitamento da abertura vaginal, mediante o corte e a recolocação dos lábios grandes ou pequenos da vulva. Segundo os dados divulgados pela OMS, mais de 200 milhões de mulheres e meninas foram alvo desta prática, que continua a ser uma realidade em muitos países do mundo.
A verdade é que estas práticas além de não trazerem qualquer benefício para a saúde das mulheres e das meninas, podem prejudicá-la. Podemos enumerar uma série de possíveis complicações que podem surgir, como hemorragias, infeções urinárias ou vaginais, problemas menstruais e sexuais (coito doloroso ou menor satisfação sexual) ou mais graves ao nível do parto e que podem mesmo conduzir à morte do recém-nascido. Sem esquecer os diversos transtornos psicológicos associados à mutilação genital feminina como é o caso da depressão, diminuição da autoestima, stress pós-traumático e ansiedade. Na pior das hipóteses, estas complicações podem levar à morte das meninas e das mulheres.
Os motivos pelos quais os países aderem a esta prática variam de região para região, mas pode dizer-se que estão relacionados com um conjunto de fatores socioculturais que estão muito enraizados. Aliás, muitas das pessoas que praticam a mutilação genital feminina apoiam-se na religião ou regem-se por mandamentos ou práticas religiosas que na realidade não existem. Os líderes religiosos dividem-se em relação a esta prática: existe quem as apoie, quem não se pronuncie por considerar que estas práticas estão fora do seu âmbito de atuação e quem se oponha separando a religião do que é uma violação dos direitos das meninas. A mutilação genital feminina subjaz uma prática de controlo sobre as mulheres e meninas da comunidade, uma necessidade de aceitação, o medo da rejeição social, uma maior probabilidade de encontrar marido, a promoção de um modelo feminino recatado e a redução da líbido por medo da dor durante as relações sexuais, por exemplo.
A prática da mutilação genital feminina pode ser realizada desde a amamentação e até aos 15 anos, sendo muito frequente em África, zona ocidental e Sahel, no Médio Oriente e na Ásia. O Egipto, o Sudão, a Eritreia, o Djibuti, a Etiópia ou a Somália são as regiões onde as taxas de mutilação genital feminina são mais elevadas. As populações emigrantes que vão viver em países de acolhimento onde existe mutilação genital feminina, também estão expostas a esta prática. O Código Penal português contempla a mutilação genital feminina como um crime.
Na Ajuda em Ação trabalhamos para erradicar com a mutilação genital feminina através de diversos programas, sendo que o foco da nossa ação se centra na educação das crianças e na sensibilização de líderes comunitários e religiosos. Trabalhar com pessoas que praticam mutilação genital feminina, geralmente parteiras, e realizar campanhas de sensibilização sobre mães e avós são elementos chave por detrás dos resultados que alcançamos.
No Quénia, por exemplo, trabalhamos com a Kirira. A organização conseguiu reduzir em 60% os casos de mutilação genital feminina na zona graças a campanhas de sensibilização levadas a cabo nas comunidades onde operam.
A nossa atuação centra-se na zona este do país, em Tharaka, perto da fronteira com a Somália, onde estamos presentes em 74 escolas. Nestes centros educativos formam-se “clubes anti-mutilação”: tratam-se de espaços de confiança onde as meninas e os jovens possam abordar assuntos que os preocupam e onde tutores e profissionais de saúde e higiene lhes podem explicar os riscos da mutilação genital feminina. Estes espaços demonstraram ser um grande apoio para muitas raparigas e jovens que se querem opor à prática da mutilação genital feminina.
Trabalhar com mulheres e jovens para que estas alcancem sua independência financeira, e não tenham que depender do casamento para tal, é uma forma de acabar com esta prática. Como referimos anteriormente, as mulheres que foram alvo de mutilação genital feminina têm mais facilidade em casar, além de que esta prática coloca uma pressão extra sobre as famílias que sentem no dever de casar as suas filhas.
Garantir que as jovens frequentam o ensino secundário e não casam antes de o finalizar, um trabalho que realizamos junto das comunidades e das famílias, é outra forma de lutar contra a prática de mutilação genital feminina. Isto porque ter uma formação da qual possam obter rendimentos permite-lhes oporem-se a esta prática.
Temos uma casa de acolhimento que recebe meninas que fugiram de suas casas para não sofrerem de mutilação genital feminina e outras que foram alvo desta prática, mas que querem escapar à violência e aos abusos sexuais.
A pressão sobre as autoridades e o trabalho que se realiza em parceria com estas é fundamental para que se criem mecanismos para acabar com esta prática. Há países onde a mutilação genital feminina não é legal, porém é complicado que as leis sejam aplicadas, nomeadamente, em áreas rurais mais remotas.
Lutar contra a mutilação genital feminina é lutar contra a violência dos direitos das mulheres e das meninas. E todos temos o poder de as ajudar.