#SOMOSAJUDA de 1981 |
Categorías

Carta de Mário Baudouin, Diretor de Programas da Ajuda em Ação Portugal

11-10-2022 Leitura 5 Minutos 3

Ajuda em Ação em revisão: 2020-2021

 

Em novembro de 2019 tínhamos diferentes projetos já preparados para uma ação próxima de instituições envolvidas na comunidade de Camarate, mas, em março de 2020, tiveram de ser rapidamente reprogramados para que fosse possível dar uma resposta rápida e concertada às famílias que foram atingidas com forte impacto no primeiro momento do confinamento.

Não interessa neste momento ter uma narrativa cronológica, depois de durante dois anos termos sido acompanhados diariamente com registos, quase gráficos, do que a pandemia veio a provocar nas comunidades e grupos sociais socialmente mais frágeis. O que pretendo destacar é o valor diferenciado que ganharam termos como dignidade, resiliência, acreditar, parceria, envolvimento, proximidade, equipa e empatia. Importa também destacar as palavras irreverência, , reprogramar, mudar, ajustar e ansiedade. Posso dizer que o primeiro conjunto de palavras ajudou muito na elaboração das rápidas respostas que tivemos de criar, para que os grupos que estavam integrados nas atividades se mantivessem seguros e prevalecessem nos diferentes momentos do seu desenvolvimento.

O programa da Ajuda em Ação, desenhado para uma intervenção comunitária e multidisciplinar perante um diagnóstico que rapidamente se agravou, ajustou-se à emergência, mas manteve a sua lógica de intervenção em desenvolver competências e criar impacto nas comunidades onde está a ser implementado. Sabíamos que deixar os grupos sociais mais frágeis para trás iria trazer uma dificuldade muito grande de reintegração quando toda a dinâmica social regressar à possível normalidade. Por esta razão mantivemo-nos próximos, flexíveis, pertinentes, críticos e genuinamente interessados em criar respostas ajustadas às necessidades mais urgentes das famílias e sempre em conjunto com os nossos parceiros. Foi assim que, quando encerraram as escolas e as famílias mais vulneráveis caíram numa situação imediata de pobreza, através de uma estratégia muito próxima das instituições locais, executámos a resposta de emergência social através da distribuição de cartões para a aquisição de alimentos. Fizemo-lo de forma muito preparada e até ensaiada para que o momento da entrega do cartão ficasse marcado por olhares e palavras de esperança, pelo acreditar e responsabilidade transmitidas sempre com grande empatia, fizemo-lo com tempo para uma escuta ativa, com acolhimento técnico, mas um interesse humanista genuíno (repito), devolvendo responsabilidade, crentes de que as pessoas conseguem tomar as melhores decisões de acordo com as suas necessidades. Foi sem surpresa que observámos este processo a acontecer, ou seja, sentimos que os participantes (de todas as fases em que executámos o apoio de emergência social) saíram mais empoderados, de “cabeça erguida”, confiantes de que existem instituições e pessoas que reconhecem as suas capacidades para prevalecerem num caminho de autonomia e autoria das suas vidas, cuidando bem dos seus filhos. Destacamos o facto de que nada disto seria possível sem a proximidade dos nossos parceiros e o reconhecimento social que lhes é atribuído na comunidade, desde escolas, passando por associações juvenis, grupos informais e junta de freguesia — a todos um grande bem-haja por acreditarem que é possível ajudar potenciando a responsabilidade individual.

A par das respostas de emergência fizemos prevalecer os programas de intervenção direta através de programas de educação, empoderamento feminino e a promoção da empregabilidade jovem. Sabemos que através desta linha de intervenção ecossistémica promovemos a criação de oportunidades para o bem-estar, o desenvolvimento económico e social futuro de cada um e das comunidades.

Foram dois anos intensos, com ajustamentos necessários e rápidos que tivemos de fazer nos programas, mas muito compensadores por conseguirmos observar o nível de entrega e dedicação que os nossos parceiros demonstraram ter, por estarem sempre implicados profissional e emocionalmente e fazerem prevalecer as atividades estando sempre próximo das pessoas.  Destacamos a força e a coragem que observámos em cada um dos participantes das atividades implementadas: no curso de costura, o grupo de mulheres tornou-se mais empreendedor e definiu o seu percurso fazendo desta formação uma ferramenta para o seu futuro e a sua sustentabilidade; os diferentes animadores integrados na escola garantiram o acompanhamento de 150 crianças que, no primeiro confinamento, não tinham qualquer meio de comunicação com a escola e foram visitados diariamente com entrega e recolha dos deveres escolares; 32 famílias foram acompanhadas para a resolução de problemas relacionados com a sua situação social e com enfoque no apoio ao percurso escolar dos seus filhos; os projetos Fair Play 4 Life, o primeiro realizado pela Ajuda em Ação ao nível Ibérico e que decorreu ao mesmo tempo em Camarate e na Catalunha, dirigido  às crianças que frequentaram o 4.º ano do primeiro ciclo e foi acolhido pela escola com a atenção e disponibilidade dos professores, acrescentando muita qualidade às dinâmicas que foram aplicadas a cinco turmas diferentes num total de 100 participantes.

Por último, quero destacar o programa de empregabilidade da Ajuda em Ação “Jovens em Ação” através da implementação do projeto ‘Bora jovens em parceria com a Coca Cola. Um projeto formativo dirigido a jovens entre os 18 e os 25 anos, em situação de grande vulnerabilidade social, pobres e com grande dificuldade em integrarem o mercado de trabalho. Transformámos toda uma metodologia formativa desenhada para o contexto presencial que adaptámos para funcionar online através do canal teams. Observámos que esta foi uma oportunidade de acompanhar jovens de todo o país e promovemos também o encontro entre estes para integrarem grupos diferentes de formação. Com grande esforço e envolvimento por parte da equipa foi possível integrar profissionalmente, até dezembro de 2021, 39 jovens no mercado de trabalho, 97 jovens foram integrados no processo formativo, 6 voltaram a estudar, envolvemos 13 parceiros sociais de 6 cidades do país (Porto, Lisboa, Setúbal, Almada, Loures e Guarda) e 12 parceiros empresariais viabilizaram a integração profissional dos jovens. Percebemos rapidamente que este programa provocou um impacto direto na vida de cada jovem que sai de forma determinante de uma situação vulnerável para um percurso de autonomia e responsabilidade.

Finalmente, estes dois anos alertaram para a situação vulnerável em que muitas comunidades estavam e viram a sua situação agravada pelo contexto pandémico não só em Portugal, mas em outros países como Moçambique, que tivemos oportunidade de acompanhar e ouvir os nossos colegas que em Cabo Delgado tiveram de agir na proteção e acolhimento de milhares de pessoas deslocadas pela guerra. Desde a equipa da Ajuda em Ação fica a certeza de permanecermos próximos dos nossos parceiros, mantermos uma atividade crítica procurando parcerias e criar ações que venham a promover novas oportunidades para as pessoas que integram os nossos programas.

Fica uma última palavra para todas as pessoas e empresas que nos apoiaram financeiramente e que permitiram o impacto em pessoas e comunidades.

Continuaremos a medir o nosso impacto contando participantes porque acreditamos que cada pessoa tem o potencial crítico de se transformar e melhorar a nossa ação.