Sob o lema “Pessoas que quebram recordes. Recordes que quebram pessoas”, a Fundação tem como objetivo sensibilizar sobre as consequências das alterações climáticas nas comunidades em situação de vulnerabilidade.
Num ano com uma reunião chave em Paris, em que não apenas serão quebrados recordes desportivos, mas também climáticos, a Fundação Ajuda em Ação apresenta a campanha global “Pessoas que quebram recordes. Recordes que quebram pessoas”, com o objetivo de sensibilizar sobre as consequências das alterações climáticas nas comunidades em situação de vulnerabilidade.
Os recentes eventos climáticos no sul do Brasil, com mais de 30.000 deslocados pelas inundações, ou a onda de calor na Ásia, que deixou mais de 30 milhões de crianças sem escola durante semanas, são apenas alguns dos últimos exemplos do que todos os organismos internacionais oficiais alertam há muito tempo: em 2024, o clima experimentará fenómenos extremos que afetarão milhões de pessoas em todo o mundo, provocando fome, pobreza e migrações forçadas. No dia 15 de maio, Dia Internacional da Ação pelo Clima, a organização fez este alerta, destacando as consequências das alterações climáticas nas pessoas mais vulneráveis.
“A crise climática é, sem dúvida, um dos principais desafios do nosso tempo, um desafio para o nosso planeta e para os seus habitantes. Provoca deslocamentos em massa, agrava a crise alimentar, reduz as oportunidades económicas, aumenta a pobreza e, em última análise, põe em perigo a vida de milhões de pessoas. Nesta campanha, queremos mostrar as consequências das mudanças climáticas sobre as pessoas em situação de vulnerabilidade, que são as que mais sofrem: insegurança alimentar e nutricional, mobilidade humana forçada e crises humanitárias”, afirma Jorge Cattaneo, diretor adjunto da Fundação Ayuda en Acción. “Para contar isso, aproveitando a conjuntura que este ano nos oferece com eventos desportivos em nível mundial, vamos falar de recordes, mas não de recordes desportivos, e sim daqueles recordes que afetam de verdade e de maneira dramática a vida das pessoas”, acrescenta.
As notícias sobre os novos recordes das mudanças climáticas sucedem-se a uma velocidade tão rápida que, provavelmente, quando estiver a ler isto, já terão sido quebrados alguns deles, com gravíssimas consequências para as pessoas em situação de vulnerabilidade
Acabamos de experimentar um período de 12 meses com uma temperatura de mais de 1,5 °C acima do período de referência pré-industrial.
A temperatura média do ar em fevereiro foi de 13,54 ºC a nível global. Essa temperatura supera a média para fevereiro do período entre 1991 e 2020 e o anterior recorde do mês de fevereiro mais quente, registado em 2016. Em Portugal – continental nos últimos dois anos – 2022 e 2023 – registou-se dois dos seus seis verões mais quentes desde 1931. O verão passado foi o 6º verão mais quente dos últimos 93 anos!
Um clima extremamente quente afetou praticamente todo o mundo, provocando que na Antártida fosse registada a menor quantidade de gelo da história, tanto no verão como no inverno. Cada dia de 2023 registou uma temperatura da superfície do mar mais alta em comparação com os registos anteriores para a mesma época do ano. Essas temperaturas elevadas constituem uma ameaça para a vida marinha (afetando as comunidades que dela dependem), aumentam a intensidade das tempestades (provocando perda de lares e meios de subsistência e, portanto, migração forçada) e contribuem para o aquecimento da atmosfera (produzindo uma perda contínua de colheitas devido ao empobrecimento do solo e à seca).
O ano também foi caracterizado pelo início do fenómeno El Niño, associado a um aquecimento adicional que se espera que atinja o seu pico em 2024.
Atualmente,183 milhões de pessoas encontram-se em situação de stress alimentar, o que significa que poderiam cair em grave insegurança alimentar se os países que as acolhem sofrerem outro choque (conflitos, epidemias, secas, inundações, etc.). 71% dessas pessoas estão distribuídas em cerca de trinta países de África.
Mas se a situação hoje é preocupante, o que as organizações internacionais prevêem para um futuro próximo é ainda pior.
Segundo os últimos dados publicados pelas Nações Unidas, 735 milhões de pessoas sofrem de fome no mundo atualmente, um número que pode aumentar em mais 80 milhões nas próximas décadas devido aos efeitos da crise climática.
Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), se nada for feito, mais 600 milhões de pessoas poderão passar fome em 2080. Um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) indica que até 3,2 mil milhões de pessoas poderão ser afetadas pela escassez de água devido às mudanças climáticas até ao ano 2050. Isso impactará diretamente na agricultura e na disponibilidade de alimentos.
As regiões mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas, como a África Subsaariana e o sul da Ásia, são as que experimentarão um aumento significativo na insegurança alimentar. Estima-se que até 132 milhões de pessoas adicionais possam enfrentar insegurança alimentar até 2030 (Fonte: Banco Mundial).
“As mudanças nos padrões de precipitação e temperatura afetam a produção agrícola e a disponibilidade de alimentos. As comunidades rurais e urbanas vulneráveis enfrentam escassez de alimentos, aumentando a desnutrição e a fome. Além disso, a degradação dos recursos naturais dificulta ainda mais a produção de alimentos, resultando em preços mais altos e menor disponibilidade para aqueles que já estão a lutar para atender às suas necessidades básicas”, explica Eduardo Reneses, Consultor de Crescimento Económico da Fundação. Por isso, na Ajuda em Ação “focamo-nos na adaptação de modelos produtivos, capacitando agricultores e produtores para implementar práticas sustentáveis que se ajustem a esses novos desafios. Desenvolvemos cadeias de valor sustentáveis e adaptadas a cada contexto (cacau, mel, milho…), fomentamos a inovação e o desenvolvimento de soluções adaptadas para maximizar o nosso impacto valorizando o papel das mulheres na economia das suas comunidades”, indica.
Segundo a ONU, cerca de 70% das pessoas que vivem em condições de pobreza extrema dependem da agricultura e estão mais expostas aos impactos das mudanças climáticas, como secas, inundações e aumento da temperatura.
Se não forem adotadas medidas urgentes, as mudanças climáticas podem mergulhar mais 100 milhões de pessoas na pobreza até 2030 (Banco Mundial). A economia mundial está destinada a uma redução média de 19% até meados do século devido ao aquecimento global. Prevê-se que os países menos responsáveis por esta crise sofrerão uma perda de rendimento 60% maior do que a dos países de maior rendimento e 40% maior do que a dos países com maiores emissões.
“As crises impactam primeiramente as pessoas mais vulneráveis e podem deixar famílias sem atender às suas necessidades básicas de um dia para o outro. Além disso, as mudanças climáticas alteram os sistemas económicos das comunidades, que enfrentam perdas de colheitas e destruição de ecossistemas, o que compromete os seus meios de subsistência”, comenta Benjamin Thiberge, responsável pela Unidade de Ação Humanitária. “Na Ajuda em Ação, respondemos às necessidades humanitárias das populações afetadas por desastres humanos e/ou naturais e capacitamos as comunidades para enfrentar os impactos das mudanças climáticas e fortalecer a sua resiliência, que é fundamental para garantir a sua subsistência e um futuro sustentável. Combinamos diferentes tipos de respostas (ajuda humanitária, adaptação e desenvolvimento de uma economia verde), o que além de ajudar a mitigar os efeitos adversos das mudanças climáticas, também impulsiona o desenvolvimento económico a longo prazo nas comunidades vulneráveis.”
- Os migrantes climáticos aumentaram 40% nos últimos 20 anos: entre 20 e 25 milhões de pessoas são forçadas a deslocar-se a cada ano como consequência de inundações, tempestades, furacões ou o avanço da desertificação onde viviam.
- Segundo o Banco Mundial, se nada for feito, 143 milhões de pessoas poderão tornar-se refugiados climáticos até 2050. Três regiões do mundo serão mais afetadas: África Subsaariana, América Latina e sul da Ásia. O relatório Groundswell do Banco Mundial (2021) aponta que a região latino-americana pode registar 17 milhões de refugiados em três décadas. Atualmente, é o quarto lugar do mundo na lista das maiores migrações por eventos climáticos.
Ajuda em Ação, presente em 18 países em todo o mundo, tem sido testemunha ao longo das últimas décadas de como a crise climática tem exacerbado a migração forçada, fazendo com que as pessoas tenham de abandonar as suas terras devido à destruição de infraestruturas, à perda de meios de subsistência e à falta de recursos básicos. O trabalho da organização nesses locais concentra-se em dar apoio durante todo o percurso das pessoas deslocadas forçadas, desde a origem, trânsito, destino e retorno.
“Trabalhamos com as comunidades para antecipar crises, prepará-las para mitigar qualquer efeito, mas também apostamos na ajuda humanitária e na proteção para atender às necessidades mais imediatas e essenciais das pessoas em trânsito, através de ações de criadoras de raízes na origem e no retorno e por ações de integração socioeconómica no destino”, indica Diego Lorente, coordenador dos programas de Migrações da organização para a América Latina.
A nossa pegada, a sua oportunidade
“No nosso trabalho constante há mais de 40 anos na América Latina, África e Europa, constatamos que as necessidades das comunidades mais vulneráveis estão cada vez mais relacionadas com os efeitos das mudanças climáticas”, destaca Jorge Cattaneo, e acrescenta: “Não podemos continuar a ser espectadores passivos desses novos recordes, porque esses recordes estão a destruir a vida de milhares de milhões de pessoas em todo o mundo. Precisamos de agir já.”