O ano de 2020 seria mais um ano importante no desenvolvimento da igualdade de género. Celebrar-se-ia o vigésimo quinto aniversário da criação da Plataforma de Ação de Pequim, fundamental para o avanço nos direitos das mulheres. Mas a Covid-19 chegou e, em termos de questões de género, há muito a analisar.
Covid-19 e impacto de género: alerta na agenda internacional
O objetivo de desenvolvimento sustentável 5, especificamente sobre a igualdade de género, incentiva países de todo o mundo a cumprir uma série de metas. 2030 foi o ano estabelecido como limite para cumprir estas metas, no entanto, a 10 anos da data, o seu cumprimento está em perigo como consequência devido ao novo coronavírus. E ainda que este seja um tema transversal e afete o cumprimento dos direitos humanos de metade da humanidade, não deixa de ser visto a nível macro como uma questão secundária.
Tudo parece indicar que uma crise sanitária, social e económica como a que se espera, não fará mais que aprofundar as desigualdades já existentes, pondo em clara desvantagem as mulheres e as raparigas, sobretudo aquelas que vivem em países menos desenvolvidos. As diferenças de género agravam-se a cada crise e esta não parece ser diferente.
Os estudos nacionais e internacionais que se vão publicando assinalam quatro principais pontos através dos quais podemos observar que a igualdade será uma das grandes vítimas desta crise. O Instituto da Mulher em Espanha assinala as quatro principais esferas de preocupação em relação ao impacto do género:
-O trabalho na área da saúde e dos serviços essenciais recai maioritariamente sobre as mulheres;
-O papel das mulheres como cuidadoras é predominante;
-A precarização do trabalho afeta especialmente as mulheres;
-Períodos como o confinamento causaram o aumento da violência de género.
Estes problemas, como é expectável, replicam-se com mais ou menos incidência noutras realidades e contextos pelo mundo fora.
Mulheres: na primeira linha da batalha contra a Covid-19
70% das pessoas que trabalham no setor social e da saúde são mulheres. No entanto, os postos de trabalho de poder e decisão continuam a ser maioritariamente ocupados por homens. Nesta estatística estão incluídas as organizações internacionais especializadas em saúde: apenas 20% destas têm conselhos de administração paritários.
Se falarmos de Portugal, as estatísticas vão no mesmo sentido: dos 73.650 enfermeiros em território nacional, 60.522 são mulheres, de acordo com os dados mais recentes (2018) da Ordem de Enfermeiros.
Mas não falamos só do setor social e de saúde falamos também do trabalho exercido em casa. O papel de cuidar recai maioritariamente sobre as mulheres, que além disso representam uma maioria nos setores essenciais como o de educação.
O fato de estar na linha de frente também as torna mais expostas ao contágio e, portanto, às suas consequências.
Trabalho e género na crise pós-Covid-19
Ainda que as mulheres estejam na linha da frente contra a crise da Covid-19, espera-se que estas sejam as mais afetadas a nível laboral. Se isto não acontecesse, seria a primeira crise em que as mulheres sairiam menos afetadas do que os homens. Esta situação ocorre principalmente porque as mulheres são quem representa uma maior percentagem de trabalhos dentro da economia informal, como por exemplo, a assistência doméstica.

Os contratos parciais também são ocupados, na sua maioria, por mulheres, ou porque são elas que se encarregam de cuidar da família ou porque não existe oferta suficiente. O que é certo é que na maioria dos casos não é fruto de uma decisão livre.
Como se tem vindo a comprovar em crises anteriores, as mulheres são o setor da população ao qual mais custa incorporar-se novamente no mercado laboral e os seus rendimentos, por consequência, demoram mais a recuperar, colocando-as automaticamente numa posição de desvantagem, dependência e vulnerabilidade. Além disso, quando se trata de famílias monoparentais, o risco de pobreza multiplica-se.
As estatísticas de violência de género
Já tínhamos falado neste espaço sobre o perigo de vida que várias mulheres vítimas de violência de género sofrem durante este período. Tudo aponta para que, se não forem colocadas em marcha medidas oportunas, a violência masculina continue a aumentar. Em Portugal, a linha de apoio da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG), o email e o número de SMS criados especificamente para o contexto da pandemia - e que o Governo pretende manter - receberam 727 contactos entre 19 de março e 15 de junho, um aumento de 180% face ao primeiro trimestre de 2019. Em Espanha, durante o estado de emergência foram submetidas mais de 83.000 ordens de afastamento por parte de vítimas de violência de género.
Outros países da Europa também demonstraram aumentos significativos. O conselho da Europa classifica-o como um aumento dramático. Não há dúvida, portanto, de que esta realidade é uma ameaça clara para o cumprimento dos objetivos de desenvolvimento sustentável, concretamente para a sua meta 2: “eliminar todas as formas de violência contra as mulheres e as meninas nos âmbitos público e privado”.
A Covid-19 também pode ser uma oportunidade para a igualdade
Longe de ser uma ameaça para os direitos das mulheres, na Ajuda em Ação estamos comprometidos a ver o contexto atual como uma oportunidade de colocá-las no lugar central em que merecem estar. A Ministra do Exterior espanhola, Arancha González Laya, comentava há dias que “qualquer plano de recuperação para a atual crise deve incorporar as mulheres como participantes plenas”. Na mesma linha de pensamento, quem também se manifestou foi António Guterres: “a igualde de género e os direitos das mulheres são essenciais para que possamos superar esta pandemia juntos, para que possamos recuperar mais rapidamente e construir um futuro melhor para todas”. A verdade é que, se metade da população não vê os seus direitos respeitados, é impossível que o mundo avance.
Nos países em desenvolvimento, os programas de planeamento familiar, por exemplo, podem ser afetados e interrompidos pela saturação dos serviços sanitários.
E ainda que os dados anteriores façam parecer o contrário (nas crises de saúde anteriores, apenas 1% dos estudos académicos eram dedicados à análise do impacto de género), acreditamos firmemente que há espaço para esperança.
O investimento em programas e projetos que visem diminuir as diferenças de género é fundamental para o desenvolvimento nos próximos anos. Na Ajuda em Ação continuamos a trabalhar sem parar para que:
-meninos e meninas sejam educados de igual forma, através de projetos em que a infância é protagonista;
-mulheres e homens tenham o mesmo acesso ao trabalho, impulsionando as economias locais com projetos inovadores que ponham em primeiro lugar as mulheres, como é o caso do Work4Progress, em Moçambique.
E além de tudo isso, a Ajuda em Ação continuará a trabalhar a todos os níveis, em todos os seus projetos, para que as mulheres e os homens tenham acesso aos mesmos direitos e liberdades.